Nos últimos meses, um dos temas mais debatidos no campo das relações trabalhistas tem sido a proposta de redução da jornada de trabalho no Brasil — de 44 para 32 horas semanais, ou em alguns casos para 36 horas. A mudança, na prática, implicaria o fim da tradicional escala 6x1 (seis dias de trabalho para um de descanso) e a adoção de uma nova estrutura, como a escala 4x3 (quatro dias de trabalho e três de descanso).
O debate ganhou força após a apresentação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2025, de autoria da deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP), que propõe essa mudança de forma impositiva, com aplicação nacional.
Apesar dos objetivos sociais da proposta, é preciso considerar, com responsabilidade, os impactos econômicos e operacionais que uma alteração dessa magnitude causaria, principalmente para setores que dependem de escalas amplas, como o comércio varejista. O Sindivarejista de Campinas entende que a PEC, se aprovada, traria efeitos colaterais sérios, como o aumento dos custos operacionais, a redução da competitividade e, sobretudo, o risco real de aumento do desemprego.
No Brasil, o limite legal da jornada de trabalho é de 44 horas semanais, podendo ser ajustado por meio de acordos ou convenções coletivas. Contudo, segundo dados da PNAD Contínua/IBGE do primeiro trimestre de 2025, a média de horas trabalhadas no país sequer atingiu as 40 horas por semana. Ou seja, mesmo com contratos estabelecidos para até 44 horas, a prática tem demonstrado uma jornada real inferior.
A RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) de 2024 reforça esse cenário. No setor privado formal, três em cada quatro trabalhadores atuam entre 41 e 44 horas por semana. No comércio varejista de Campinas, essa proporção é ainda maior: 86,7% dos vínculos formais estão nessa faixa de carga horária — são 53.622 dos 61.858 vínculos existentes.
É nesse contexto que afirmamos: uma mudança abrupta, imposta por lei, sem considerar as especificidades do setor produtivo e a ausência de ganhos reais de produtividade, é economicamente inviável. No varejo, a redução da jornada sem ajustes proporcionais na remuneração ou na produtividade resultaria em aumento de custos que muitas empresas, especialmente as micro e pequenas, não teriam como absorver.
Para ilustrar: um trabalhador que recebe R$ 2.200 por 220 horas mensais (jornada de 44 horas semanais) tem um custo-hora de R$ 10. Se sua carga for reduzida para 160 horas (32 horas semanais), mantendo-se o mesmo salário, o custo-hora sobe para R$ 13,75 — um aumento de 37,5%. Além disso, haveria a necessidade de novas contratações para suprir as ausências nos três dias adicionais de descanso. Esse custo não será compensado automaticamente por aumento de vendas, especialmente em um setor tão sensível às oscilações do consumo.
No comércio varejista, não se gera emprego por decreto. Imposições legais como essa apenas transferem para o empresário o ônus de uma medida que não foi construída com base em diálogo ou análise de impacto. O resultado? O enfraquecimento de pequenos negócios e o aumento do desemprego, que acaba por prejudicar toda a sociedade — inclusive o consumidor final, que sentirá os reflexos em preços e disponibilidade de serviços.
O Sindivarejista de Campinas reforça a importância de valorizarmos o diálogo social por meio das Convenções Coletivas de Trabalho. É esse instrumento que permite ajustes específicos, inclusive jornadas diferenciadas e redução de carga horária, respeitando as realidades locais e setoriais. A negociação coletiva é o caminho mais eficaz e sustentável para a modernização das relações de trabalho.
Legislações impositivas e generalistas, por sua vez, ignoram a diversidade da economia brasileira e colocam em risco setores inteiros. Defendemos o avanço das relações capital-trabalho, mas sempre com equilíbrio, responsabilidade e diálogo.
Sanae Murayama Saito, é presidente do SindiVarejista de Campinas e Região
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